Autoentrevista

Texto publicado no site da revista Bizz, em janeiro de 2008 (acho)

Foto ilustrativa do embate psicanalítico em questão

Não é preciso verbalizar, já sabemos o que você está pensando: “Jornalista metido a músico entrevistando a si próprio? Essa revista está nas últimas”. E leitor, por incrível que pareça, dessa vez você tem razão: tudo indica que o presente será o último texto da BIZZ a ser publicado, pelo menos até um futuro (deseja-se) próximo.

Cabe esclarecer aos desavisados (leia-se: toda população mundial) que o Gustavo Martins responsável por este texto e por suas perguntas, jornalista da BIZZ em seus últimos anos de existência (2006-2007), é o mesmo Gustavo Martins, músico da banda paulistana de rock alternativo Ecos Falsos, que as responde. O exercício de dupla função jornalístico-musical está longe de ser uma novidade na história da revista, que conta em seu rol de colaboradores com integrantes de boa parte do rock que não fez sucesso nos anos 80 (além do Paulo Ricardo). Salvo engano, porém, é a primeira vez que um membro da equipe corta os intermediários e entrevista a si próprio.

Pode-se argumentar que o procedimento não é justo, pois acarretaria numa entrevista positiva demais para o músico e até para o jornalista. Em sua defesa, o autor afirma que a “positividade plena” não foi adotada, pois seria prejudicial para ambas as partes. Explica-se: um jornalista não ganha pontos por conseguir boas aspas de si próprio, muito menos se não conseguir fazer perguntas interessantes nem para ele mesmo; um músico, por sua vez, não ganha respeito por fabricar os próprios elogios (ponto polêmico, mas concordemos que não).

Mas existem vantagens, acredita o objeto/observador. “O procedimento anula as duas principais desculpas para entrevistas ruins na imprensa musical: o jornalista não pode argumentar que não teve tempo para preparar a pauta, e o músico não pode dizer que foi mal-interpretado em suas respostas estúpidas”, afirma. “Parece mais justo que a maneira usual, em que músicos puxam o saco de jornalistas ou vice-versa até conseguirem suas entrevistas.”

Em todo caso, diz o autor – um tanto preocupado com o tom de recalque em sua última frase –, a maior justificativa para a adoção do procedimento foi mesmo o fato desta ser a última chance de escrever alguma coisa para a BIZZ e, diabos, por que não?

Para os preocupados com a possível mácula que o experimento deixaria na história da revista, há pouco a temer: o presente site será desativado em (deseja-se que não muito) breve, portanto não caberá a este texto o peso de último registro da BIZZ para as próximas gerações – um rodapé na Wikipedia, se tanto.

Atravessado o extensivo preâmbulo, leia a seguir a entrevista.

BIZZ – O que lhe faz imaginar que o Ecos Falsos, dentre todos os artistas disponíveis no Brasil, é merecedor de uma entrevista?
Gustavo Martins – Boa pergunta, mais complexa do que pode parecer à primeira vista. Você está de parabéns. Eu posso fazer uns postulados para justificá-la – são meio questionáveis, mas costumam colar: o primeiro é que pessoas que fazem rock no Brasil, por não ser esse o gênero usual do país, teriam alguma coisa de “diferentes” e daí seriam “interessantes” para opinar sobre algo; o segundo é que bandas não-vinculadas a grandes gravadoras não teriam muito compromisso com a popularidade, seriam mais “livres” e por conseqüência mais “ousadas”, ou mesmo “autênticas”. Pois bem, nós somos uma banda de rock não-vinculada a grandes gravadoras. Considerando que você concordou com esses dois postulados, todos os adjetivos entre aspas costumam atrair jornalistas. Além disso, nós somos atuantes – importantes até, me permito exagerar – nessa movimentação difusa do “novo indie rock” brasileiro, que se ainda não conseguiu provar que existe público de fato pra isso no país, pelo menos convenceu a Petrobras a dar R$ 2,5 milhões para os festivais em que costumamos tocar.

BIZZ – Mas artistas fora de grandes gravadoras existem vários, muitos deles mais atuantes e conhecidos que vocês. Não é melhor tentar pelo lado do mérito musical?
Gustavo – Olha, eu sinceramente acho que o Descartável Longa Vida, que lançamos em setembro, é um disco acima da média. Tem idéias muito legais nele, o Sérgio Serra, a Fernanda Takai e o Tom Zé toparam participar na maior boa vontade, é um disco cheio de informação mas bem direto, não tem nenhum momento “ah, é arte, releva” nele… Mas é muito idiota eu ficar falando isso, né? Não sei, normalmente essa parte de decidir importância fica a cargo de vocês jornalistas, a gente só atende o telefone e responde o que perguntam. Pensando por esse lado, acho até que nós da banda damos boas respostas, melhores que “pô, do caralho”, “muito foda”, “caldeirão de influências”, “não gostamos de rótulos”. Juro que não ficaria surpreso nem ofendido se existisse gente que gostasse mais das nossas entrevistas do que nossas músicas [risos].

BIZZ – Sua banda não se incomoda que você está responda sozinho em nome deles?
Gustavo – Ué, achei que você só tivesse me chamado…

BIZZ – Era um convite para os Ecos Falsos, ficava a seu cargo decidir quem viria.
Gustavo – Puxa, então digamos que eles não se incomodam. Você deve estar com pressa de fechar esse texto, né? Eles vão entender.

BIZZ – Certo. Se a Internet permite que a boa música se propague sem parar, o fato do Ecos Falsos ainda não ser um sucesso só pode ser um mau sinal, não?
Gustavo – Bem, acho que… não. Talvez não tenhamos feito todos os contatos certos pra nos promover, sei lá. Mas não posso culpar fatores externos, de repente a gente só não chegou ainda no ponto em que essa propagação espontânea estoura o gráfico. Talvez pelo fato de não termos muitas músicas disponíveis, talvez por elas ainda não terem o “gancho” pra se alastrar tanto. Mas eu sou um cara que acompanha gráficos, e na Last.fm pelo menos a nossa curva foi ascendente todo esse ano, então acredito que um pouco esteja acontecendo sim. [N. do E.: Não aconteceu tanto assim.]

BIZZ – Mas desde o Cansei de Ser Sexy, pelo menos, já existe um número razoável de artistas que chamam atenção com poucas músicas, em poucos meses, sem nenhuma “cena” por trás. E vocês já têm uns quatro anos de, digamos, “carreira”. Isso não deixa vocês preocupados?
Gustavo – Putz cara, vou te falar uma coisa, às vezes isso nos deixa putos, de verdade. É f***, tem nego que põe um remix na Internet, uma faixinha com bateria eletrônica fuleira e já toca em festas e festivais que a gente tenta há anos, até no exterior e o escambau. Banda que vem do nada, amiga de produtorzinho X, artista Y, jornalista Z, e de repente esses caras estão com toda a atenção, sem nada pra dizer, nada! É f***… [Fica em silêncio] Nossa, soei muito perdedor agora, né?

BIZZ – É, um pouco. Na verdade bastante.
Gustavo – Bom, sei lá. Acho que é natural, tem gente que faz o que é “moderno” e “interessante” agora, gente que é mais “legal” de se ouvir do que nós, paciência. De qualquer forma, você tem que considerar que a parcela da população que cria e consome os hypes ainda é ridiculamente pequena no Brasil, então não sei o quanto isso é representativo. Várias vezes tenho a impressão de que os indies ficam brigando por migalhas, tocando pra um público formado praticamente por bandas e jornalistas, onde a gente quer chegar desse jeito? O povo vive falando do “estouro da Internet”, mas se for ver, quem são nossos Arctic Monkeys e Lily Allen? O NXZero e a mulher do “Vai Tomar no C*” [risos], são os únicos que chamaram atenção de verdade.

BIZZ – Desmerecendo o sucesso dos outros só porque não faz igual, né?
Gustavo – Não não, peraí, não estou desmerecendo. Só não gosto de colocar as coisas nessa dimensão sensacional que muita gente se empolga em pintar. Esse papo que o indie vai tomar o poder, que agora é “a vez dos independentes”, parece um mantra do Lair Ribeiro, daqueles que você repete de manhã no espelho pra se convencer que é verdade. A meu ver, o ano de 2007 foi tão ruim quanto qualquer outro para fazer rock sem dinheiro no Brasil, continuamos tocando para os mesmos abnegados, não tem nenhum sinal claro que o público vá aumentar. Houve o fato, esse sim notável, da Abrafin (mas não só ela) ter conseguido o edital da Petrobras [a estatal vai doar R$ 2,5 milhões para festivais independentes em 2008, por leis de incentivo]. É uma das poucas coisas concretas que permitem esperar um 2008 melhor, além de um ou outro caso isolado. O único festival independente que foi excepcional esse ano, no sentido de fora do comum, foi o Goiânia Noise, exatamente porque já rolou com a grana do edital.

BIZZ – Festival esse, ouvi dizer, no qual os Ecos Falsos fizeram um dos piores shows…
Gustavo – Bom, no meu coração eu sei que tivemos problemas de som muito sérios, não dava pra entender nada da platéia. Mas eu sei que ninguém vai acreditar nisso, então prefiro que sirva pra você ver como o padrão de qualidade do festival estava alto [risos].

BIZZ – Mas qual é o problema da “cena” independente, então? O que impede que ela cresça?
Gustavo – Acho que todo mundo tem uma regra pra cagar a esse respeito… A minha é que faltam idéias novas, não tanto musicais, mas de postura mesmo. As pessoas querem sempre seguir o mesmo roteiro: showzinhos podres, showzinhos menos podres, de repente um festival, batalhar uma notinha na imprensa… E é isso. Quase ninguém pensa em tornar os shows mais legais, fazer os festivais serem mais do que uma maratona de bandas desconhecidas com uma meio conhecida fechando, ninguém faz show-surpresa em lugares inusitados, usa-se pouquíssimo do que a Internet oferece… Parece que tem duas verdades pairando no ar: que o público já existe e só precisa ser avisado, e que a “arte” já basta pra atrair as pessoas. A primeira, perdoem-me o pessimismo, é muito improvável. O público para isso simplesmente não existe, ou se existe só dá pra sustentar 10% das bandas que tem por aí. A segunda eu acho inviável, a gente tem que pensar no negócio como entretenimento ou vamos todos morrer de fome esperando ser “descobertos”. Meus amigos não-indies nunca vão nos lugares que a gente toca, e como eu posso culpá-los? Via de regra, se o ingresso não for “caro” (R$ 15 já é “caro”), o equipamento som vai ser péssimo, os shows vão começar tarde pra burro e durar bem mais do que deveriam, não vai dar pra dançar, não vai dar pra conversar, a galera vai ir embora assim que acabar a banda e em geral vai ser feia pra dedéu [risos]. Como a “cena” vai crescer se não for nem atraente?

BIZZ – Você não acha que o problema são muitas bandas ruins em atividade?
Gustavo – Bom, também existem muitos jornalistas ruins em atividade, revistas que vivem de requentar releases… Não é por isso que vamos acabar com a imprensa, né? Eu até prefiro que existam muitas bandas ruins em atividade. Pra uma banda boa é ótimo, porque se destaca; pra banda ruim também, porque não chama atenção [risos].

BIZZ – Ok, muitas reclamações, mas sua banda já fez algo para mudar esse cenário?
Gustavo – Algumas coisas, sim, obrigado por perguntar aliás. A principal, que eu acho que foi bem menos reconhecida do que deveria, foi ter organizado o que virou o programa MTV Apresenta: Turnê Independente, uma viagem com seis bandas [Ecos Falsos, Zefirina Bomba, Daniel Belleza, Vanguart, Rock Rocket e Faichecleres] num ônibus pelo Nordeste. Não fomos nós que fizemos tudo, obviamente, mas Deus é testemunha que a idéia nasceu numa sinuca da Cardeal Arcoverde, enquanto bebiam a gente, o Zefirina Bomba e o Daniel Belleza. As três bandas pensaram em fazer uma viagem absurda, no risco, e vender isso como um programa pra MTV. Fomos atrás de quem poderia ajudar e fizemos acontecer, simples assim. A execução do projeto teve um trilhão de problemas mas saiu do papel, virou um programa de seis capítulos, movimentou um monte de gente, chamou atenção de outras tantas, tudo a partir de uma idéia. Pra mim essa foi a importância do lance: mostrar que tendo uma boa idéia e correndo atrás, é possível fazer coisas diferentes. Eu achava que isso ia inspirar todo tipo de iniciativas por aí, mas não, o que eu vejo é que as bandas seguem só pensando nelas mesmas e pronto. A gente vive perdendo dinheiro convidando gente de fora pra tocar aqui em São Paulo, mas nem isso mais o povo quer fazer, ninguém chama ninguém, fica todo mundo em casa esperando ser selecionado pra festival, tentando uma boquinha no Sesc…

BIZZ – E qual você acha que é o futuro viável para os independentes? Seria algo parecido com o cinema, baseado em renúncia fiscal e apoio do governo?
Gustavo – Tenho milhares de dúvidas quanto a isso, até porque não sou dos mais informados na questão. Assim, a princípio, não acho saudável que a música vire um negócio como o cinema, em que 80% do seu tempo tem que ser dedicado a convencer o governo ou os diretores de marketing das empresas que seu projeto merece dinheiro, e o resto você faz de acordo com o que liberam. A meu ver, isso é exatamente o contrário de “independência”, é a dependência total. Mas também não vou ser idiota de ficar criticando o fato dos produtores finalmente terem estrutura para fazer seus festivais. Nesse caso específico do edital da Petrobras eu conheço e confio muito no povo da Abrafin, acho que vai ser bastante positivo. Mas sei lá… O cinema entrou nesse ciclo vicioso de “não dá pra fazer sem apoio” e nós tivemos uma década de filmes sem público nem propósito, feitos na maioria das vezes por capricho do pequeno grupo dos que têm acesso a esses editais, e nada garante que isso não possa acontecer com a música também. Se não tiver uma mentalidade de fazer com que esses eventos se tornem populares, a tendência é que a coisa passe a existir só pra continuar existindo mesmo, pra sustentar quem gosta de fazer isso. Não existe festival de música sem apoio, isso é um fato, mas a meu ver – e aí não sei se eu sou romântico ou realista – a coisa tinha que acontecer ao contrário, as bandas e produtores formam um público, que acaba chamando atenção do cara que quer fazer marketing, sem dinheiro do governo envolvido. Essa coisa de bancar o produto cultural e esperar que o público apareça com ele pode até ser um caminho mais rápido, espero que sim, mas criar um mercado pro indie rock me parece bem menos urgente do que construir ferrovias e equipar hospitais, entende? Se o público ainda não sustenta nossos delírios de rockstar, paciência. Todos na nossa banda têm empregos paralelos, acho isso uma merda, mas pra mim é o que é compatível com o tamanho do mercado no país. Pelo menos temos nosso orgulho independente, não dependemos nem de governo, nem de mesada! [risos]

BIZZ – Os Ecos Falsos têm alguma chance de ser um sucesso de verdade?
Gustavo – Putz… Acho melhor analisar essa questão por três lados: sucesso pessoal, sucesso de público e sucesso de crítica. Porque são coisas bem diferentes, convenhamos.

BIZZ – Certo [boceja], fale do sucesso pessoal.
Gustavo – No lado pessoal, que não é só o que nos interessa mas é o que interessa só a nós, a banda até que vai bem, ninguém depende dela pra viver, ela já não dá tanto prejuízo e a satisfação tem sido boa. Acho que já juntamos um pequeno público que, quando a tecnologia de tirar dinheiro das pessoas via música avançar, pode até nos sustentar razoavelmente, o que já seria extraordinário. Então pra isso a resposta é “sim”.

BIZZ – E sucesso de público?
Gustavo – Daí eu sinceramente acho difícil, sempre nos imaginei meio como o Art Brut, na melhor das hipóteses um Pavement, ou extrapolando muito um Ultraje a Rigor, aquela banda que eventualmente pode roubar a cena por alguns instantes, mas cujo destino não é de protagonista mesmo. A gente também não colabora, não fazemos um som que o cara possa ouvir e dizer “ah, isso aqui parece Ramones, eu gosto”, ou Blink-182, ou new rave, ou Los Hermanos, ou Beatles. É um som pra pessoas de bem que gostam de barulho e não se levam muito a sério. Talvez esse seja o problema, porque pra fazer sucesso no Brasil o sujeito TEM que se levar a sério. O público espera que o cara incorpore um desses arquétipos de “artista”: sofredor como o Renato Russo, romântico como o Roberto Carlos, doidão como o Raul, alegre como a Ivete, ou pelo menos portador um par de coxas como as dela. Se o cara sai do papel dele, a rejeição é imediata. Pro nosso azar, nós temos essa inclinação avacalhada, até autocrítica, na linha do Monty Python, Frank Zappa, da ironia em geral – coisa que brasileiro odeia. É mais fácil brasileiro ver um chupacabra do que enxergar uma ironia. Acho que os Mamonas Assassinas acabaram radicalizando o humor na música, hoje só dá pra contar uma piada se você estiver vestido de coelho, senão todos vão te levar a sério. Nós criamos o slogan que somos a “melhor pós-boyband do mundo” e teve muita gente que achou que era pra valer, então não tenho ilusões.

BIZZ – Vou entender isso como um “não”.
Gustavo – Ah, mas eu não mencionei o fato que nós ainda temos nossa “Anna Júlia” na manga, aquela música com alto potencial de memorização de que vamos nos arrepender pro resto da vida. Pensamos em colocá-la no primeiro disco, mas concordamos que era mais seguro guardá-la pro segundo.

BIZZ – Ah sim, ok. E sucesso de crítica?
Gustavo – Bom, quanto à crítica, admito que eu esperava que já fôssemos um sucesso maior a essa altura. Não tanto pela música, porque se for ver nós somos até meio arcaicos, duas guitarras, baixo e bateria – é quase como fazer folk no tempo do Bob Dylan (tô lendo o Crônicas agora), uma coisa aceitável, mas de onde não se espera sair nada de novo. Mas as nossas letras eu arrogantemente acho que estão acima da média, podem surpreender se você atravessar a barulheira e chegar até elas. Não que as críticas tenham sido ruins, pelo contrário até, mas é preciso admitir que não foi o furacão que eu estava sonhando. Então, resumindo tudo e respondendo à pergunta inicial, dá um “acho que sim”, um “não” e um “hmm, acho que não”, o que resulta em um “não, com ressalvas”.

BIZZ – Caramba, você tem toda uma teoria sobre não fazer sucesso.
Gustavo – [Risos] Pois é, eu ficava formulando as idéias depois de cada um de nossos shows que não dava muito público. Como se vê, não foram poucos…

BIZZ – Interessante essa sua pretensão de se comparar com o Bob Dylan, sendo que tem uma banda contemporânea de vocês que faz folk e muito mais sucesso…
Gustavo – Pronto, tava demorando…

BIZZ – O que foi, o sucesso do Vanguart te incomoda?
Gustavo – [Breve silêncio.] Hmm, não. Não diria que incomoda. Mas admito que tenho uma certa inveja, claro. É a sensação que você tem quando alguém do mesmo departamento é promovido em menos tempo, você não fez necessariamente nada errado nem duvida dos méritos do outro, simplesmente fica se perguntando o que poderia ter feito diferente. A gente conheceu o Vanguart quando fomos pra Cuiabá em 2004, eles já tinham um burburinho na cidade, mas o Hélio tocava sentado numa cadeirona colonial, era tudo em inglês, cover de “I Will Survive”, eu não entendi porra nenhuma. Daí fui conversar com eles, não lembro se nessa ou em outra ocasião, e a única opinião debilóide que eu consegui formular foi “vocês deviam cantar em português”. A maioria da banda era contra, mas suponho que isso reacendeu a discussão entre eles, que acabaram fazendo coisas em português logo depois. Veja bem, longe de mim proclamar a paternidade da criança, só fico rindo da ironia que eu consegui ver o que faltava pra eles funcionarem e não pra nós [risos].

BIZZ – Façamos a pergunta delicada, então: em que medida o “sucesso” dos Ecos Falsos se deve aos seus contatos como jornalista?
Gustavo – [Risos] Bom, se eu tivesse contatos importantes como jornalista, acho que me preocuparia em ganhar mais, primeiro… Mas enfim, já fui acusado (por anônimos covardes!) de tirar vantagens disso na época que trabalhava na MTV, que coincidiu com a turnê pelo nordeste e com o VMB que concorremos. O que posso dizer em minha defesa é que nunca tive nenhum cargo de comando lá (bem longe disso, aliás) e que tem pelo menos umas cinco bandas por andar naquela empresa. Claro, seria muita hipocrisia dizer que não ajudou, na medida em que você conhece as pessoas e elas te conhecem e tal, mas qualquer um que já leu Noites Tropicais do Nelson Motta sabe que 90% desse negócio de música são os contatos. Nesse sentido eu sou uma negação, odeio ficar “fazendo contatos”, bajulando pessoas, indo a festas, cheirando pra fazer amigos… Mas isso é idiotice minha, são todos meios lícitos – tirando o último, obviamente – de se chegar nas pessoas certas, até porque pouquíssimos jornalistas ou produtores freqüentam o circuito de shows atrás de coisas novas, você tem que chegar até eles, encher o saco. É o bom e velho lobby, que existe em qualquer meio. Como sou muito ruim nisso, acho que o fato de ser jornalista ajuda na medida em que dá uma desculpa para abordar certas pessoas, mas nunca foi nada que qualquer um com mais cara-de-pau e acesso ao Google não pudesse fazer. De qualquer forma, acho que nunca ganhamos nenhum espaço que não fosse merecido. Nesse VMB de 2006, por exemplo, eu não tenho dúvidas que nosso clipe era um dos cinco melhores, é só ver o vídeo (aqui). Em 2007 não concorremos, mas também não tínhamos nada pra mostrar, vamos ver em 2008 se eu quebro a cara [N. do E.: quebrou a cara, sim].

BIZZ – Em uma de suas entrevistas, você disse que os Ecos Falsos deveriam ser a banda “com mais cara de trouxa do Brasil”. Gostaria que você detalhasse essa afirmação.
Gustavo – Ah, isso é referência a uma época em que tentaram aplicar todo o tipo de golpe na gente. Desde gente dizendo que já tinha registrado o nome Ecos Falsos pedindo dinheiro pra liberar até um “contrato incrível” com um “selo ligado à Universal”, em que a gente só precisava “investir R$ 15 mil” que o selo “entraria com a outra parte”. Teve um cara que ficava me ligando dizendo que era do SBT, que tínhamos sido selecionados pra uma coletânea… Foi tanta tentativa de calote que uma vez que chamaram a gente pra tocar (sem concorrer) em uma das eliminatórias do Fama eu nem dei bola, apaguei o email. Depois fui ver que era verdade, o Ludov tocou no nosso lugar (você não precisa acreditar nisso, mas é verdade). E teve a clássica vez que um cara nos vendeu passagens da TAM “pela metade do preço, esquema jóia” pra ir pra Cuiabá. Tava na cara que ia dar merda, mas nessa nós caímos… Meu irmão até saiu da banda depois disso [risos].

BIZZ – Cuiabá, Goiânia e outras praças parecem estar organizando um movimento de valorização do que é “fora do eixo”, às vezes até com conotações políticas, posicionando-se contra a “hegemonia” do Sudeste. Como vocês, que são de São Paulo e tocam nessas cidades, se relacionam com esse movimento?
Gustavo – Que eu me lembre, a única vez em que esse negócio de “eixo” pegou foi quando tocamos em uma micareta em Vitória da Conquista [risos]. Ali, admito, tivemos que mandar um “porra, nós viemos de São Paulo!”, mas era porque as bandas de lá queriam deixar a gente no pior horário – e nós tínhamos viajado 24 horas de ônibus… Mas acho que esse pessoal do Fora do Eixo, em geral, não se pauta pela oposição com o “eixão” não, é mais uma coisa de querer colocar sua cidade no mapa cultural, o que eu acho totalmente louvável. Quanto à questão política, nunca quis me envolver muito nisso, talvez porque ter uma banda de rock não te coloca numa posição muito confortável pra fazer política. Quer dizer, você sabe quanto custa uma boa guitarra, um baixo, uma bateria? Não é algo exatamente ao alcance de todos. Somado a isso, você precisa do tempo livre para se dedicar à banda, ou seja, no fundo, é um passatempo de moleques abonados, que não precisam trabalhar ou têm dinheiro pra perder. E fazer política nessa posição é meio complicado, né? Estou generalizando, claro, mas vou te dizer que não conheço muitas exceções. Fora que uma das coisas que me diverte em música é que você não precisa ser democrático, pode privilegiar uns e desprezar outros, sem culpa. Por isso que não tenho muito ânimo de participar de movimentos, associações de bandas, brigas por direitos iguais pra todos os músicos… Exigir espaço para todo mundo que quer ter uma banda pode ser um estímulo à mediocridade, até. Músicas não são pessoas, nem todas merecem o privilégio de circular por aí [risos].

CONVIDADO BIZZ: Ronaldo Evangelista, jornalista – Gustavo, faça um breve resumo da sua vida pré-ecos e responda: como você se sente no seu momento de menos notoriedade?
Gustavo – Pombas… É, é verdade, sim, eu publiquei um livro infantil quando tinha nove anos, em 1992, e entrei no Guiness Book brasileiro por causa disso. Apareci na Xuxa, no Sílvio Santos, no Aqui Agora, Globo Repórter… Mas porra, isso faz quanto, quinze anos? Parem de falar disso! Não, não é freudiano! Não sou viciado em atenção! E sim, esse livro e os outros cinco que eu publiquei depois (dois à venda aqui) acabaram me levando pra uma temporada em um acampamento da Nasa em 2000. Mas e daí? Isso por acaso quer dizer que meus quinze minutos já passaram? Não tenho direito a prorrogação???

CONVIDADO BIZZ: Paulo Terron, jornalista – Tendo em vista tudo isso que foi dito, por que vocês não desistem de uma vez?
Gustavo – Hmm… Não faço idéia. Já pensei em desistir várias vezes, mas além da vergonha de ser 01 e pedir pra sair, eu acho que é um momento divertido para se fazer música, no mundo. Ninguém sabe o que vai acontecer daqui a dois anos, como se estará ganhando dinheiro com isso, qual vai ser a próxima onda. De repente, nós já estamos nela e nem sabemos. De qualquer maneira, se a banda acabar amanhã, já tenho várias histórias cabeludas pra contar para os netinhos. E as coisas eventualmente acabam por si só, não é? Não tem porque apressar o fim delas. ZZ

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